Temores e incertezas cercam adoção da reforma tributária



Andréa Margon - Simplificar o sistema tributário brasileiro. Esta é a defesa do executivo federal para a reforma tributária. Entretanto, especialistas do setor portuário enfatizam que pouco se sabe sobre a proposta ainda, e que há temores sobre a sua real intenção. Desejada e esperada há anos, a reforma está se tornando realidade e, como acontece com tudo que é novo, está assustando muita gente.

De acordo com o secretário de Relações Institucionais da República, Alexandre Rocha Padilha, o governo federal espera que a Proposta de Emenda Constitucional (PEC), elaborada pelo Ministério da Fazenda e encaminhada ao Congresso Nacional em fevereiro deste ano, seja aprovada logo, “já que simplificará o sistema tributário brasileiro e combaterá a guerra fiscal entre os estados”.

Padilha disse que o principal motivo para a criação desta PEC “é a necessidade de uma revisão geral no complexo sistema tributário brasileiro”. De acordo com o secretário o projeto amplia a partilha de recursos com estados e municípios, incorporando novos impostos na base do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Além disso, ele falou que a PEC promoverá o fim da guerra fiscal, provocando um ambiente favorável ao crescimento econômico e contribuindo para um maior equilíbrio fiscal. Padilha fala que a proposta cria o Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional, voltado para o financiamento de projetos estruturantes de estados e municípios.

Entre as críticas feitas à proposta da Reforma Tributária está a diferenciação entre crescimento e desenvolvimento o que, segundo especialistas são itens distintos, embora haja vertentes que os colocam como sinônimos. De acordo com Padilha, a Reforma fala de crescimento com o desenvolvimento do país. “Prova disso é a mudança proposta na Política de Desenvolvimento Regional Brasileira (PDR), cujo principal instrumento são financiamentos, através de créditos, com recursos dos fundos constitucionais de financiamento do Nordeste (FNE), Norte (FNO) e Centro-Oeste (FCO) e da aquisição de debêntures de empresas, por meio da alocação de recursos orçamentários, destinados aos Fundos de Desenvolvimento do Nordeste (FDNE) e da Amazônia (FDA)”.

O secretário fala que o modelo proposto avança no sentido da descentralização na aplicação dos recursos do Programa de Dinamização Regional (PDR), seja através das transferências aos Fundos de Desenvolvimento Estaduais, seja na própria gestão dos investimentos estruturantes, geridos pela União. “A proposta é que as superintendências regionais (Sudene, Sudam e, eventualmente, Sudeco, cuja recriação está sendo discutida no Congresso Nacional) definam diretrizes gerais para a aplicação dos recursos e que os projetos - cuja seleção será feita por critérios técnicos – sejam executados e geridos de forma descentralizada por estados, municípios, associações de municípios ou entidades locais”.

“Aparentemente a reforma é boa, mas deverá haver questionamentos principalmente por parte de municípios e estados”. A avaliação é do presidente da Federação Nacional de Conferentes, Consertadores, Vigias e Trabalhadores de Bloco (Fenccovib), Mario Teixeira. De acordo com ele, o projeto foi apresentado às centrais sindicais antes de ser exibido nacionalmente. Como integrante da Central dos Trabalhadores (as) do Brasil (CTB) teve a oportunidade de debater o projeto, diretamente, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Teixeira falou que a primeira preocupação por parte dos líderes dos trabalhadores ficou por conta da possibilidade de aumento na tributação, para os trabalhadores, da Previdência Social. Contudo, o presidente Lula garantiu que isso não irá acontecer.

Segundo o presidente da Fenccovib o governo federal tem pressa na aprovação da proposta para que comece a vigorar no início de 2009. Mas, Teixeira não crê que a aprovação da Reforma Tributária acontece, ainda, este ano.

Sem flores

Embora a empolgação do executivo federal quanto a PEC da Reforma Tributária, tem muita gente que está perdendo o sono com a mesma questão. Exemplo são os municípios portuários. De acordo com a Associação Brasileira dos Municípios Portuários (ABMP), a proposta centraliza a legislação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e quase cria um imposto único federal, sobre valor agregado. “Isso simplifica e poderá resultar em economias administrativas para o governo”, disse Ricardo Bulgari, Controlador Geral do Município de Paranaguá, e assessor do presidente da ABMP, o prefeito o município paranaense, José Baka Filho.

Segundo ele, a proposta cria, para o governo central, um grande imposto cujos fatos geradores serão coincidentes com a base do ICMS (a única exceção são os serviços, que serão tributados pelo novo Imposto sobre Valor Agregado Federal (IVA-F) e não pelo ICMS, com algumas exceções). Os fatos geradores sofrerão tributação dupla, estadual e federal, cujas alíquotas devem ser somadas, para caracterizar a carga tributária total incidente sobre eles. “Com certeza será superior a 20%, o que deverá estimular a evasão e a sonegação”.

Bulgari fala que a proposta é limitada e silencia sobre importantes tributos. Para ele, há inúmeros detalhes, alguns oportunamente inseridos em pontos pouco explícitos do projeto e que vão demandar análise detalhada. Ele chama a atenção para alguns aspectos enumerados a seguir:

1) A reforma é parcial. Não abrange tributos como o Imposto de Renda (IR), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), contemplando apenas tributos sobre o consumo. É perfunctória quanto à desoneração da folha de pagamentos;

2) Não há indicações quantitativas sobre os impactos das medidas nem sobre alíquotas, bases e formas de cálculo. Convém lembrar que, em matéria tributária, o diabo mora nos detalhes;

3) Altera critérios de partilha fiscal. Como ponto positivo, inclui novos tributos federais nos mecanismos de divisão da arrecadação. Por outro lado, dificulta a apuração para saber se estados e municípios vão receber mais ou menos recursos;

4) Desconstitucionaliza critérios de partilha do ICMS. Isso vai prejudicar os grandes municípios, em especial os municípios portuários;

5) Critérios de partilha incertos. Os métodos não estão claramente definidos, principalmente, porque os repasses não serão de cima para baixo (União para estados e municípios). As transferências serão laterais (entre estados). Não se sabe quanto vai custar a estrutura de fiscalização, quem irá fiscalizar nem se os mecanismos de punição de estados, que não repassarem o ICMS, serão eficazes;

6) Incertezas dos impactos do ICMS no destino. As compensações pelo Fundo de Equalização são incertas e subjetivas, não dando garantias seguras aos estados perdedores e, conseqüentemente, aos municípios portuários;

7) Reforma protelatória. O governo pressupõe que governadores e prefeitos só pensam em seus respectivos mandatos e que aceitarão azedumes se ocorrerem daqui a dez ou 20 anos;

8) Nota fiscal eletrônica. É uma medida ingênua e de difícil execução, já que gera custos para sua instalação, não considera o ambiente sócio-educacional da população nem que a informalidade é quase uma regra no Brasil. Será uma espada sobre a cabeça dos estados, na medida em que sua não implementação fará com que eles não participem do Fundo de Equalização. Se o governo acha que ela acaba com a sonegação, é bom lembrar que basta tirar o aparelho da tomada que a operação não será registrada;

9) Abertura para a multiplicação de alíquotas. Os especialistas em IVA consideram ideal a existência de apenas uma alíquota ou, no máximo, duas ou três.

Bulgari finalizou falando que o projeto precisa de aperfeiçoamentos, equalizações, trato com os municípios portuários e principalmente, “o objetivo claro de facilitar a vida do contribuinte, redução da carga, aumento da base de contribuição e divisão justa entre os níveis de governo (federal, estadual e municipal)”.

Quem também não vê com bons olhos a proposta de Reforma Tributária é o empresariado do comércio de exterior. Segundo o presidente do Sindicato do Comércio de Exportação e Importação do Estado do Espírito Santo (Sindiex), Severino Alvarenga Imperial, atualmente, a carga tributária incide sobre as operações de comércio exterior em sua origem, ou seja, no estado onde as mercadorias são embarcadas/desembaraçadas. Com a nova proposta, o recolhimento do ICMS desses produtos migrará para os estados consumidores. Com isso, em pouco tempo, o Espírito Santo perderá as receitas de ICMS e, conseqüentemente, a capacidade de atração de novos investimentos.

Para ele, a taxação no destino vai provocar uma drástica redução das fontes de financiamento, “justamente daquele estado que produziu a riqueza, ou daquele que atraiu investimento para incremento de processos com produtividade, gerador de empregos e riquezas, precisamente o estopim para o desenvolvimento de uma economia de mercado”.

Imperial lembrou que as atividades portuárias no Espírito Santo envolvem empresas e operadores de importação e exportação, que investiram e são geradores de emprego e renda em portos, aeroportos, portos secos, armazéns e depósitos. “São cerca de 50 mil empregos diretos e indiretos”.

A atividade econômica gerada pelo comércio exterior no Espírito Santo arrecadou para o estado em 2007, R$ 1,9 bilhão em ICMS. Isso corresponde a 33% do total do imposto arrecadado pelo governo do estado.

Fundap

Existem boatos que falam que o projeto de Reforma Tributária aponta para o fim do Fundo de Desenvolvimento das Atividades Portuárias (Fundap), em médio prazo (falam em dois anos). Embora nada confirmado pelo executivo federal, a questão já provoca alvoroço no comércio internacional.

Para o presidente do Sindiex, o desenvolvimento econômico e social do Espírito Santo está calcado no Fundap, um programa cujo objetivo é, exatamente, o de fomentar o desenvolvimento econômico e social do estado. O recurso vem do recolhimento do ICMS sobre produtos importados e, ainda, na concessão de financiamento via Banco de Desenvolvimento do Espírito Santo (Bandes), que possui por base as operações decorrentes do intercâmbio comercial.

“Também por meio do Fundap, 25% do total arrecadado é destinado aos municípios capixabas, o que contribui, significativamente, para o desenvolvimento regional”.

Mas o tema Reforma Tributária não está limitado ao governo federal (autor da matéria), aos municípios portuários e nem, somente, ao empresariado. Os trabalhadores portuários já estão envolvidos também. O Fórum Portuário Capixaba, instalado recentemente no Espírito Santo resolveu, durante a primeira reunião de trabalho, que sua atividade inicial terá como tema a Reforma Tributária. De acordo com o deputado estadual Cláudio Vereza, que integra o Fórum, seus integrantes já estão encaminhando convite ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci Filho, para comparecer ao estado e esclarecer as dúvidas dos trabalhadores. - PortoGente.